Foi Corinthians
O Corinthians acabou.
Nem Nostradamus nem os Maias previram; e nem poderiam, dado que o Corinthians segue existindo.
Por isso, tampouco os oráculos contemporâneos percebem a extinção – e mesmo poucos historiadores (profetas do pretérito) futuros saberão anunciá-la.
É que o Corinthians que acabou, a despeito da continuidade do nome, da instituição e da torcida, é o invisível, o intangível – dotado, porém, de sabores, cheiros e sons que (assim como em tudo o que existe) constituíram sua identidade no tempo e no espaço.
Não se trata de melhor ou pior.
Outros times já acabaram da mesma forma e ninguém percebeu, porque seguem aí, vencedores ou perdedores, disputando partidas e campeonatos.
Há, até, times que acabaram de fato, como instituição, sede, elenco, CNPJ, camisa e quase toda a torcida, mas seguem ocupando seu escaninho no leque de identidades que abrimos quando pensamos em times de futebol.
Trata-se de ver o que não mais existe dentro do que segue existindo.
O Corinthians que segue por aí, cujo advento se configurou nos últimos anos, é o time estável, seguro, sem derrotas trágicas nem vitórias cardíacas, senhor da tática e do resultado, capaz de lancetadas cirúrgicas e frias nos adversários, bem-sucedidas e entediantes como o são os procedimentos protocolares dos grandes médicos.
É o time sem ídolos ou vilões irascíveis, sem personagens folclóricos, sem craques e pernas-de-pau lendários, sem gols chorados em cima da hora (nem contra nem a favor), sem o sentimento de fatalidade, sem missão, sem o oco que move à voracidade maior do que a temperança (faca só lâmina), sem expiação, sem milagres, sem purgatórios, pragmático, iluminista, blasé sincero.
A torcida – que, aliás, é parte constitutiva da identidade histórica do time – não mudou, e quando vemos o Corinthians vemos também, e sobretudo, a torcida, o que dificulta vislumbrar sua extinção.
A torcida mesma, quando olha o campo, a camisa, os gols e as conquistas e desfruta da merecida felicidade que este outro time lhe proporciona, não vê senão o Corinthians que ela tem em mente, do qual ela faz parte.
Falta-lhe distanciamento. É ela em campo, na arquibancada e nos pódios. Seria pedir demais que visse que os onze que jogam formam um time que não é aquele que ela forjou.
Ninguém vê nem sequer as mudanças pequenas e grandes que experimenta a todo momento.
Vai querer que veja seu próprio fim?
O Corinthians acabou.
Viva o Corinthians!
Vem, Corinthians! (resposta)
O Corinthians
não acabou, nem o mundo.
Se Nostradamus
ou os Maias não previram (e nem poderiam), seria verdade?
Sendo assim, os
tais “oráculos contemporâneos” e “profetas do pretérito”
terão extinção para prever, saber, anunciar?
É que o
Corinthians, que não acabou, a despeito do invisível, do intangível
que constitui sua identidade no tempo e no espaço, sempre foi o time do concreto, da concretização dos mitos, das místicas, da liturgia. Pode não parecer bonito, e muitas vezes não era; mas era o que era.
Não se trata
de melhor ou pior, como você disse.
Outros times não acabaram da mesma forma e ninguém percebeu. O mundo não
acabou, nem muitos times, a maior parte deles.Outros até acabaram de
fato, como instituição, sede, elenco, CNPJ, camisa e quase toda a
torcida, mas seguem ocupando seu escaninho no leque de identidades
que abrimos quando pensamos em times de futebol.
Trata-se de ver
o que existe dentro do que parece não mais existir no que segue
existindo... meio complicado, admito!
O Corinthians
que segue por aí, cujo advento se configurou nos últimos anos, é,
sim, um time estável, seguro. Concedemos essa. Mas como vem você
me dizer, caro Piva (perdoa a intimidade, se ofende), como vem me
dizer que é um Corinthians sem derrotas trágicas!? O que foi o
Tolima, pra mim, corinthiano!? Que foi a derrota pro Sport na
finalíssima da Copa do Brasil, em 2008? O próprio descenso à Série
B, quando toda essa saga começou!?
Diz-me que não
houve nem vitórias cardíacas? Espera, Piva! Eu lembro de muitas –
que, se não são muitas em quantidade, são “muito”, na
importância! Foi bom, foi muito bom ver vitórias de lavar a alma,
inclusive com gols chorados em cima da hora, como você diz sentir
falta: o gol da estreia de Ronaldo contra o Palmeiras, o gol de
Christian contra o São Paulo, o gol de Paulinho contra o Vasco...
Sim, esse é o
Corinthians senhor da tática e do resultado, capaz de lancetadas
cirúrgicas e frias nos adversários, bem-sucedidas e entediantes
como o são os procedimentos protocolares dos grandes médicos –
para os pacientes, seus clientes, fregueses, que têm sempre a razão,
claro...
É um time sem
ídolos ou vilões irascíveis como Neto, Leão, Pernambuquinho e
outros; mas tem Cássio, Chicão, Ralf, Jorge Henrique - o time
inteiro de jogadores que encarnam como os outros antes, talvez até
mais, por serem como “operários em campo”, o espírito do
torcedor do povo! Se não são personagens “totais” como um
Quixote, um Hamlet ou um Vito Corleone, são Sancho Pança, são
Horácio e Michael Corleone para um personagem maior: a própria
torcida! O futebol, no Corinthians de hoje, é um espetáculo de
torcida!
Tem personagens
folclóricos, sim! Emerson Sheik e sua macaca, que ora bota no ombro,
ora solta nos microfones; o Tite das caretas fotogênicas e do titês,
o Romarinho de tão pouca mas iluminada carreira, o Ronalducho,
matando a bola na pança, até o Andrés Sánchez, que embora não
seja lá bom exemplo, não deixa de ser curiosamente folclórico...
Sem craques
absolutos e nem pernas-de-pau lendários, mas com mestria e pixotadas
na medida certa para encantar seu torcedor. E há o sentimento de
fatalidade, a missão, o oco que move à voracidade maior do que a
temperança e expiação, e milagres, e purgatórios: pragmático,
iluminista e blasé sincero só pra quem é de fora. Por dentro,
Piva, é tudo isso! Mas tem que ser corinthiano pra sentir, à vera!
A torcida –
que, aliás, é parte constitutiva da identidade histórica do time –
não mudou, e quando vemos o Corinthians vemos também, e sobretudo,
a torcida, o que dificulta vislumbrar sua extinção. Pois é, veja
você, a resposta pra tudo isso, hoje, no Corinthians de hoje, é
justamente a sua torcida. A mesma Fiel, novamente forjada nas
dificuldades, não na bonança! Parece mais preocupação com o tal “futebol moderno”, pertinente e oportuna,
em que o sintoma terminal parece ser a teatralização do futebol
pela domesticação das torcidas; mas os corinthianos sempre foram
mais que uma torcida de teatro ou de vôlei - e estão cada vez mais
longe disso!
A nós,
corinthianos, falta-nos distanciamento, certamente! Somos nós em
campo, na arquibancada e nos pódios! Seria pedir demais que visse
que os onze que jogam formam um time que não é aquele que ela
forjou, sem dúvida – mas é que nós somos os onze, ou somos doze,
não sei, perdemos a conta, envolvidos, hipnotizados pelo espetáculo
que ajudamos a criar. Jogamos juntos e não há quem de direito possa
usurpar nossa própria noção de identidade, certo!?
Ninguém vigia indefectivelmente as mudanças pequenas e grandes que experimenta a
todo momento. Todos nós mudamos, Piva; todos nós, invariavelmente.
E não falo só de alvinegros, alviverdes, tricolores, celestes,
colorados... aquele mundo inteiro que você esboçou em suas palavras acabou, desculpe a indelicadeza, mais uma vez; nem era preciso
Nostradamus ou maias para perceber que é parte da natureza, humana
ou não, se transformar. Um homem e um rio nunca são os mesmos. A princípio (e é assim sempre) não é
certo nem errado, lembra? Perde o bonde quem, invariavelmente
mudando, insiste em achar que é o mesmo sujeito de sempre.
Sentir saudade do Corinthians simpático e flertando com a pequenês honrada dos times de bairro ou de interior é bem natural para um torcedor rival (especialmente o que se vê agora do outro lado da situação). Mas o corinthiano há muito tempo deixou de achar graça nessa piada, e há poucos dias conseguiu reverter isso com efeito duplo, um bi-mundial... não tem mais nada pra ganhar - "e se tiver", nossa verve declara, "nós vamos buscar". Isso faz perder aquela graça de bar, aquele saudosismo; incomoda, até assusta!
Todo ser
humano precisa de conquistas, glórias e nova história também –
para acreditar que é possível buscá-lo tudo de novo, depois, em
tempos magros. Fomentar o mito das conquistas vindouras. Que seria do passado senão um motivador do futuro!?
Vai querer que seja seu próprio fim? Acredito piamente que não; nem acredito que o será...
O Corinthians
não acabou, amigo; ele renasceu!
Se
é pra vir com essa novidade, Vem Corinthians!